Contar boas histórias não é algo exatamente fácil. Contar uma boa história de amor num quadrinho de super-herói, então, é façanha p'ra quem tem habilidade no assunto.
Duas belas mulheres e um cara que precisa se decidir por apenas uma delas!
Homem-Aranha: Azul é uma pequena relíquia. Daquelas que não possui nenhum grande valor monetário, mas são cobiçadas pela sua beleza. Trata-se de uma história em quadrinhos do Homem-Aranha recordando o tempo de sua grande paixão de juventude: Gwen Stacy. Uma obra singela, cheia de nostalgia de uma época em que tudo parecia mais simples. Mas também uma obra repleta de tristeza. Como o azul. Como o jazz. Como o blues.
Tudo começa no Dia de São Valentine, Peter Parker, então casado com Mary Jane, relembra seu amor por Gwen Stacy e resolve gravar uma fita k7 contando a história de como ele e a loira se apaixonaram. Ou melhor dizendo, a história de como eles quase não se apaixonaram!
O clima é de total nostalgia, tanto dentro do enredo da história, relembrando um dos momentos mais marcantes da vida do Aracnídeo - seu romance com Gwen - que sempre é retomado nas histórias, quanto na própria arte de Tim Sale, num traço que nos dá a impressão de estar lendo algum dos clássicos de Lee & Romita. A arte de Sale mantém seu diferencial, mas a homenagem em seus traços à Romita é inconfundível, especialmente na aparência dos personagens e em algumas cenas, como na Gwen dançando.
O aquarelado leve de Buccellato tenta trazer o clima da coloração à mão de antigas histórias. Cores simples sem degradê ou tons fortes. Para diferenciar os dois momentos retrados na narrativa - a vida atual de Peter e seu tempo de juventude - o colorista dá tons azuis ao presente do aranha, um azul melancólico que contrasta com o colorido do passado, do tempo em que Gwen estava viva e o amor entre os dois começava a nascer.
A narrativa de Loeb segue um ritmo simples. Ao contrário da recente moda de atualizar histórias antigas, recolocando-as em um cenário mais moderno para não entrar em conflito com a linha de tempo do personagem (afinal, se Peter tinha 18 anos nos anos 60, hoje ele deveria ter uns 70 e não apenas 20 e tantos, como parece ter...), Loeb manteve a década de 1960 como pano-de-fundo para a pequena história de amor. Referências não faltam, seja em capas de discos de vinil jogadas num sofá, seja nas roupas dos personagens, seja numa cena com a MJ escolhendo músicas numa jukebox, seja numa breve citação de J. J. Jameson sobre jovens e rock 'n roll. Saudosismo profundo.
O conto se estende por seis edições (cada uma correspondente a uma fita), com direito a participações de praticamente todos os clássicos personagens da vida do Aranha - de sua variada coleção de vilões ao círculo de amigos - estão todos lá: o Duende Verde, Dr. Octopus, Rino, o Lagarto, Abutre, Escorpião, Kraven, J. J. Jameson, Robbie Robertson, Tia May, Mary Jane, Harry Osborn, Flash Thompson e, claro, a belíssima Gwen Stacy.
Peter está começando a faculdade de ciências e um mundo novo de oportunidades se abre a ele. Entretanto, o Amigão da Vizinhança ainda anda sem dinheiro, cheio de contas a pagar, uma tia velha e doente para cuidar, um patrão ranzinza e pão-duro e as eternas encrencas do Aranha. A esta pesada coleção de problemas, Peter se vê envolvido em um novo: Gwen e Mary Jane parecem estar interessadas nele e começam a competir pela sua atenção. Ou melhor, se é que se pode chamar de problema o fato de ele ser disputado por duas belas garotas! Afinal, este é o tipo de dilema que todo cara adoraria passar! Porém, é um terreno novo para Peter Parker. Como ele mesmo explica: "Digamos que aquilo nunca aconteceu quando eu era 'Peter Parker, o Rato de Biblioteca'..."
O diferencial deste especial é que ele é, acima de tudo, uma história de amor. As armações do Aranha e seus super-vilões são simplesmente pano-de-fundo para o romance entre Peter e Gwen. Há uma inversão no foco das histórias clássicas de Stan Lee e John Romita que inspiraram o conto de Jeph Loeb e Tim Sale: com a primeira dupla, a vida amorosa de Parker era só um tempero de empatia para a trama do Aranha. Loeb coloca a ação de lado e com a ajuda dos traços leves de Tim Sale e as cores suaves de Steve Buccellato cria um simplório conto de amor inspirado em clássicos do jazz e do blues.
Sim, há um fundo musical na história, como todo bom romance deve ter. Apesar de que na edição nacional isto não é perceptível devido à tradução e adaptação, cada capítulo da história carrega o mesmo título de uma canção de blues. Mesmo entre os diálogos e os pensamentos de Peter, os olhos atentos irão perceber aqui e ali uma citação da letra de uma destas músicas. Quem quiser pode até buscar as canções e ouvi-las enquanto aprecia a narrativa leve de Loeb. Você fica com a impressão de sentir a música saindo das páginas...
As principais críticas feitas à dupla Loeb e Sale quanto a este especial é o fato de haverem mudanças pontuais em como as histórias originais teriam sido contadas por Lee e Romita. Loeb se safa deste problema assumindo que se trata das memórias de Peter e que ele pode não se lembrar de tudo exatamente como fora e que, ocasionalmente, pode alterar os fatos pela falha natural da memória. Alguns pensam ser uma desculpa esfarrapada do autor para alterar as histórias originais de Stan Lee, mas eu penso que foi uma saída esperta. Ele certamente precisaria mudar uma coisinha aqui e outra ali para adequar os fatos à sua nova roupagem, mais romântica. Como eu disse anteriormente, Stan Lee valorizava a ação do Aranha, enquanto que a relação entre Peter e Gwen era um segundo plano. Ao mudar isso, Loeb certamente precisou adocicar as coisas para alcançar o efeito que queria. E o fez sem necessariamente negar as histórias originais. Artifício narrativo claramente tapa-buraco, mas que é funcional e deu um tom de verossimilhança ao conto. Afinal, quantos de nós nos lembramos de tudo exatamente como foi ou nunca adocicamos uma boa lembrança mais do que era, até mesmo de propósito?
No final, temos uma bela história de amor embalada num clima de nostalgia, tristeza e paixão que só uma linda canção de blues pode trazer. Recomendada para os corações apaixonados e para os fãs do Cabeça-de-Teia saudosos da loira mais querida dos quadrinhos...
"As pessoas ficam com a gente pelo tempo que são lembradas." (Peter Parker, em Homem-Aranha: Azul)
Só as imagens das histórias já valem a postagem.Mas a argumentação é inteligente e objetiva.Gostei muito do blog mesmo e voltarei!
ResponderExcluirNo circo anárquico do velho palhaço,Raulzito diz-"É tudo free!"
http://pimentazen.blogspot.com/
Que blog incrível!
ResponderExcluirOriginal, inteligente, de teor absolutamente interessante. Obriada pela sua delicadeza, é sempre uma delícia quando se identificam com a escrita da gente, não é?
Tenha uma ótima semana!
ps: Essa música é maravilhosa. :)
ups, obrigada*
ResponderExcluirÓtimo post, cara.
ResponderExcluirHomem Aranha: Azul foi uma das primeiras coisas que li do Aranha, e foi uma das melhores mesmo. Até cheguei a pensar, baseado nele, que o Loeb era um bom escritor.
Acho que é o Sale que bota ele no 'caminho' né? auhhehea
Macaíba, http://losmuchachosmarotostarados.blogspot.com/
Parabéns cara! Uma análise digna dessa historia.
ResponderExcluirVocê não é o autor do Punny Parker? Sua tira é excelente, digna de figurar um título oficial! Que honra recebê-lo aqui!
ResponderExcluirMesmo que eu não goste de romance, adoro Homem Aranha Azul. Acho Peter/Gwen, o melhor casal das HQs..mesmo achando que a MJ foi uma boa esposa, não dá pra negar que a Gwen era "A" Garota para o Peter..
ResponderExcluirParabéns pelo Blog.. já vou colocá-lo nos favoritos do meu
Essa hq é muito boa mesmo, qualquer um entende porque o Peter escolheu a Gwen como sua companheira ao ler essa minissérie.
ResponderExcluirO seu texto está muito bem escrito também, parabéns pelo post e pelo blog!