sexta-feira, fevereiro 19, 2010

QUANDO A LUA ESTÁ CHEIA...

A lenda ganha vida. Esta é a frase de promoção de O Lobisomem, refilmagem do clássico de 1940, estrelado por Benicio Del Toro, Anthony Hopkins, Hugo Weaving e Emily Blunt. O velho lobisomem está de volta às grandes telas com lua cheia, bala de prata, maldição e tudo o que a tradição manda (e as tentativas de inovar apagaram)...

Este ano, meu carnaval foi relativamente diferente. Novamente não entrei para a folia. Ir atrás do trio elétrico, pular pelas ruas com o bloco tradicional, encher a cara pelos bailes da vida, me fantasiar e sair pelas ruas tacando maisena nos outros ou desfilar numa escola de samba não são bem atividades de descontração que eu costumo apreciar. Nada contra quem goste, não acho nenhum pecado nisso, mas eu não gosto apenas.


Então... Só que esse ano, programei com minha girlfriend algo diferente do costumeiro. "Vamos ao cinema", eu disse. "Legal", ela concordou. Assim, bastou uma conferida no calendário e a constatação: "o filme do carnaval será O Lobisomem". E lá fomos nós, em plena Terça-Feira de Carnaval, confetes e serpentina pelas ruas, assistir a uma refilmagem de um clássico da década de 1940. Qual não foi minha surpresa ao ver que o cinema estava um tanto quanto cheio. Pensei que haveriam um ou dois gatos pingados (e que talvez até rolasse um desconto e tal...). Mais gente não anda curtindo muito se entregar ao espírito folião...

That's all right, baby! E quanto ao filme?
Vampiros e lobisomen vêm travando uma constante guerra, não só na ficção (em que, costumeiramente, são retratados como adversários), mas também pelo título de monstro mais clássico do cinema. Desde o início da produção cinematográfica, películas como Nosferatu ou O Lobisomem de Londres têm se encarregado de levar à grande tela todo o horror e mistério das velhas lendas.

A Universal lançou, no início do século, uma clássica coleção de filmes de terror. Entre eles, figuravam Drácula (com Bela Lugosi) e O Lobisomem original. Mais tarde, diversas vezes as criaturas seriam relembradas no cinematográfo, como em Drácula De Bram Stoker, Entrevista Com O Vampiro (febre no iníco dos anos 90 e que inspirou o RPG dominante, na época, no Brasil Vampiro: A Máscara), Garotos Perdidos, Bala De Prata (do mestre Stephen King), Um Lobisomem Americano Em Londres (depois Em Paris, com a francesinha lindinha Julie Delpy) e Lua Negra. Mais recentemente, vampiros e lobisomens guerrearam nas seqüências de Anjos Da Noite e em Van Helsing - sem esquecer, claro, suas versões aboioladas na saga Crepúsculo, ainda em andamento, que conquistaram o coração de milhares de adolescentes por todo o mundo (esse filme me dá muito medo... sério! Sabe-se lá quando esse negócio de vampiro brilhar no sol vai se tornar perigoso...). Contrapondo a estas versões mais atuais, em que há toda uma releitura dos mitos dos vampiros e lobisomens, O Lobisomem tenta resgatar as mesmas tradições e misticismo da antiga produção da Universal.
E aqui, um comentário à parte. Na guerra entre vampiros e lobisomens, se compararmos Crepúsculo, com toda aquela transfiguração afrescalhada dos vampiros (brilhar no sol?! por favor!...) e atores com carinha de bebê para agradar algumas adolescentes, e O Lobisomem, com sua mitologia clássica e um elenco de peso (eles "só" escalaram "Che" Guevara, Hannibal e o Agente Smith de Matrix para fazerem o filme...), podemos concluir que, ao contrário de todas as outras vezes que os vampiros sempre possuiram filmes melhores, hoje, os lobisomens venceram.
Papel-de-parede do filme...

Lendo algumas críticas pela rede, eu me decepcionei. Não com o filme.

Alguns acusaram a produção de não ser convincente por usar a computação gráfica em vez de explorar mais o talento de Rick Baker (responsável pela maquiagem do monstro), já consagrado em filmes como Um Lobisomem Americano Em Londres, para criar manualmente a seqüência clássica de transformação com o uso de maquiagem. Outros reclamaram da mistura de terror, suspense, aventura, gore e ação do filme. Ouvi até falarem mal da construção rasa do romance entre Lawrence Talbot (Del Toro) e Gwen (Blunt). OK. Todos têm direito à opinião. E só para não mudar a tradição, vou seguir contra essa maré.

O filme é muito bom.

Digam o que disserem, este é um filme de terror como há muito tempo eu não assistia. Clássico, sem reinterpretações surpreendentes do mito, com lua cheia, bala de prata, maldição, ciganos, lobisomem com aspecto humano (não um monstro de cara de lobo com corpo humanóide)... Algo que lembra muito os filmes B. Simples e direto. Talvez por isso eu tenha gostado tanto.

Logo que os monstros clássicos do terror se iniciaram no cinema (por sinal, através dos filmes da Universal, safra da qual faz parte O Lobisomem original), os roteiro respeitavam a tradição dos mitos: vampiros temiam a cruz, não surpotavam o alho, não podiam entrar numa casa sem serem convidados, morriam empalados por estacas de madeira e queimavam ao toque da luz do sol. Lobisomens passavam sua maldição ao morder alguém, trasnformavam-se à lua cheia, eram irracionais na forma de lobo e só podiam ser feridos permanentemente por prata. Com o tempo, tudo isso virou clichê e fez-se necessário inovar. Os vampiros e lobisomens passaram por reinterpretações de suas características: havia vampiros que não temiam a cruz ou o alho, não morriam necessariamente apenas com uma estaca de madeira, podiam entrar onde quisessem, outros até se arriscavam na luz do sol, protegidos por roupas pesadas, e, hoje em dia, eles até brilham em vez de queimar sob a iluminação do astro radiante (a frase ficou fresca propositalmente...). Da mesma forma, lobisomens tornaram-se capazes de controlar sua transformação e seus atos na forma de lobo, alguns resistiam à prata, outros tinham uma origem mais científica que mística e etc.
Cena do original... O filme se chama Wolfman (Homem-Lobo) em vez do costumeiro Werewolf (Lobisomem)

Inovar o mito era um artifício para manter o interesse da platéia em histórias contadas centenas de vezes de centenas de maneiras. Entretanto, o que era diferente, acabou se tornando clichê também: mudar os mitos clássicos virou algo essencial para qualquer história de vampiros e lobisomens atuais. As fórmulas clássicas deixaram de ser usadas há muito e toda uma nova formatação fora criada. E o que servia para atrair a atenção passou a ser cansativo.

Assim, surge a refilmagem de O Lobisomem. Recentemente comentei sobre o problema das releituras, agora, só p'ra variar, vou elogiar um pouco.
O Lobisomem inova na indústria de cinema de terror atual por trazer de volta todos os velhos clichês do gênero. Depois de tantos anos renegando o clássico, é gostoso, e até nostálgico, ver um lobisomem se transformando sob a luz da lua cheia e a relação da maldição com a cultura cigana. A trama do filme é simplerrérrima e todo mundo sabe como a coisa vai se desenrolar. Mesmo se você se surpreender com um detalhe ou outro, não é nada espetacularmente impensável. E exatamente por isso é bom! Simplicidade, mas funcionalidade. Nada inovador (e talvez por isso o filme seja inovador), mas que não fere sua inteligência ou deixa furos de roteiro.

Quanto às críticas, vamos por partes, diria Jack o Estripador.

Falou-se mal do uso de computação gráfica, por parecer obviamente irreal (bem feito, mas irreal). Usaram como referência filmes antigos dos anos 80, em que a cena de transformação assustava por parecer tão real. Nota: não se usava computação gráfica nesses filmes como se usa hoje. A maioria dos efeitos eram fruto de trabalho duro com maquiagem. Agora, veja bem. Quem fala isso, obviamente, assistiu a esses filmes naquela época maravilhosa (assim como eu o fiz). Para a época, aqueles efeitos era verdadeiramente assustadores. Mas, hoje em dia, se víssemos aquelas mesmas cenas, não pareceriam obviamente falsas? Maquiagem óbvia de látex? Sejamos sinceros! Quando você não sabe como o truque é feito tudo parece mágica. Mas basta perceber o segredo, saber que aquela pele é de borracha ou efeito de computação, e a magia se perde. Depois de anos conhecendo os mistérios dos efeitos especiais, qualquer um consegue perceber o truque sob as cenas. Mas a lembrança daquele tempo, em que você acreditava que o lobisomem, de alguma forma, era real, permanece. Qualquer criança, atualmente, possui os olhos acostumados com os efeitos de computação gráfica. Hoje, é muito fácil para qualquer um perceber. Naquela época, as coisas eram mais profissionais, porque nem todo mundo tinha contato com as tecnologias utilizadas. Agora, a maioria das pessoas possui um computador em casa e sabe distinguir uma imagem em CG de uma imagem real.

Eu mesmo me assustava com os lobisomens de Um Lobisomem Americano Em Londres, Bala de Prata e, o mais recente destes, Lua Negra. Mas hoje, ao ver esses mesmos filmes, percebo facilmente as próteses de látex e as seqüências cuidadosamente feitas retirando-se gradualmente a maquiagem.

E quanto ao que chamaram de "samba do lobo doido"? A mistura de terror, suspense, aventura e gore? Ora, se o filme possuísse uma só temática, reclamariam que é monótono! E qual filme, hoje em dia, não envolve características variadas? Esta foi uma crítica que pouco dei atenção, porque pareceu mais implicância que qualquer outra coisa. Então, Um Lobisomem Americano Em Londres é considerado um dos melhores filmes do gênero, mas envolve uma fusão singular (que seria copiada depois) entre humor negro e terror, e ninguém reclama... Jogos Mortais é reverenciado como um bom suspense, porém é muito mais gore... A Múmia tem humor até o osso (trocadilho infame...), no entanto sempre tinha lá seus momentos de suspense...

E o romance entre Lawrence e Gwen é muito forçado, pouco intenso e não transmite força? Várias controvérsias...

Primeiro, o lado histórico. O filme se passa numa época muito menos pessoal que hoje em dia. Um gesto ou um olhar demonstravam muito mais intensidade que a nossa necessidade sempre maior de provas de amor exageradas. As pessoas evitavam se tocar. O contato físico era sempre visto como uma relação mais íntima entre pessoas que poderiam ter este tipo de relação. O fato do Lawrence e da Gwen várias vezes durante filme demonstrarem essa proximidade maior, acredito que seja suficiente para revelar uma atração maior entre os dois. Não estamos falando de uma época onde qualquer um saía declarando amor para sempre ao mínimo contato. O filme respeitar este aspecto, em vez de preferir torna-se mais palpável para a platéia acostumada a romances intensos e acabar sendo menos respeitoso com a história, é admirável.

Segundo, o histórico dos personagens. Gwen era uma esposa dedicada do irmão recentemente assassinado de Lawrence. Exceto para nossa época de relações líqüidas, em que deixar de amar é bem simples e corriqueiro, seria bem estranho se, de uma hora para outra, ela se apaixonasse perdidamente pelo irmão de seu marido que acabara de morrer! Além do mais, a profecia da cigana dizia que seria preciso o amor verdadeiro de alguém. Amor verdadeiro não pressupõe instantaneamente amor sexual, desejo. A Gwen demonstrou várias vezes ser a única que se importava com o Lawrence, que queria realmente seu bem. Isto é amor.

Terceiro, é um filme de terror clássico, não uma comédia romântica. Sinceramente, se você está atrás de profundas declarações de amor, com clima inspirador para um romance e beijos, com flores e corações apaixonados, então seria bom rever o gênero do filme a que pretende assistir! Creio que o romance entre os dois é mais um tempero e um detalhe para a história e não seu prato principal. Como disse, se você quer muito um romance ingenuamente apaixonado procure uma comédia romântica... Ou vá ver Crepúsculo...
Não mostrar assusta mais que ver o monstro nos mínimo detalhes...

Se há uma crítica pertinente a ser feita seria quanto ao clima de suspense. No início do filme, a construção do suspense me agradou muito. Sustos, tensão e o famoso uso do visto-quase-não-visto: o lobisomem aparece só em relances e vultos, como em velhos filmes de suspense nos quais a falta de recursos visuais forçava o uso do esquema do monstro que não se mostra completamente, o que mantém um suspense ótimo. Não há nada mais assustador que o que não se pode ver com clareza. O uso desse recurso sempre foi explorado ao extremo no cinema (que o diga o sucesso Arquivo X, que usava e abusava do-que-não-se-via-direito com maestria, por causa da pouca verba que recebia no início), especialmente, como já disse, pela questão dos recursos visuais que nem sempre são satisfatórios. Em O Lobisomem, alia-se a isso os movimentos ágeis do lobisomem, perceptíveis no vulto, apesar da aparência exata da criatura não ser, criando seqüências de alucinar.

Entretanto, quando finalmente chega o momento de revelar o lobisomem, o esquema de suspense perde muito seu efeito. Todos passam a saber como é a criatura e já não é tão assustador vê-lo perseguindo alguém. Não que o lobisomem seja mal-feito, pelo contrário, mas se perde a expectativa, a tensão pelo desconhecido. É algo que sempre percebi: a falta de recursos visuais, de certa forma, fora benéfica para os filmes de suspense, forçando o diretor a se concentrar em criar um clima de tensão que compensasse. Hoje em dia, o desejo de mostrar efeitos especiais, acaba prejudicando, enchendo a produção de cenas mirabolantes, porém reduzindo o essencial: o clima de medo, aquele friozinho na barriga por não ter certeza do que está se movendo nas sombras por detrás das árvores...
Aquilo que não se vê é o que mais se teme... Cartilha básica do bom suspense.

Enfim, O Lobisomem é um bom filme de terror, porém não um impacto cinematográfico como fora Avatar (ainda devo um comentário sobre ele...). Nostálgico, seguindo todo o padrão dos clássicos filmes de monstros, simples, como há tempos não se via, apesar da quebra de suspense do meio para o final. Agrada a quem está cansado de vampiros e lobisomens teens e tem saudades de sentir um pouco de medo da lua cheia...
Trailer do filme

Curiosidade: O personagem de Hugo Weaving, o inspetor da Scotland Yard que vai investigar o caso na mansão Talbot, se chama Aberline, o mesmo que teria investigado sem sucesso o caso de Jack o Estripador (isso chega a ser citado no filme).

"Todo mundo 'tá revendo o que nunca foi visto." (Humberto Gessinger, O Papa É Pop)

3 comentários:

  1. Por isso que raramente dou uma atenção maior a essas criticas que saem aqui e acolá... quem tem de fazer juízo do filme sou eu, pouco me importa a opinião do "estudioso". Se ele acha uma droga, eu posso achar sublime, eae, como é que fica? ¬¬ rs... complicado!

    Quem tiver em duvida ainda, se vai ou não assistir, só reveja o elenco... por si só já vale! Saia logo desse sofá e vá ver um filmaço! :D

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  2. Concordo com cada palavra..sempre fui fã de lobisomens (antes de virarem Lobichas) e é bom ver que pelo menos resgataram um pouco do original nesse filme, que eu adorei. e é como o rapaz que comentou antes de mim: eu não dou a mínima para críticas..afinal, o que importa é se o filme me agrada..e não o que outra pessoa gostou do filme..posso dar minha opinião, mas sempre aconselho a pessoa a ver,e tirar suas próprias conclusões..
    a propósito, tabém dei uma "reviada" no filme lá no meu blog, se quiser dar uma lida o/
    http://macgaren-clarimdiario.blogspot.com/

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  3. Achei seu blog realmente legal :)

    Confesso que não li o texto todo, porque ainda não vi o filme, e pra dizer a verdade nem sei se vou assistir... não sou muito fã de filmes de terror, suspense, tão pouco gosto de arquivo X, é não li esse post mais li sua auto-entrevista.
    Já me mandaram um e-mail desses, e quem me mandou também achou que eu seria a pessoa que não iria responder. Pois é, eu não respondi... Mas talvez eu faça um desses no meu blog :)
    E por falar nisso... da uma passadinha por lá! ;p
    Voltando... tbm fui curtir o carnaval no cinema, troquei O Lobisomem por Percy Jacksone e o Ladrão de raios.

    Há tbm li o post "COISAS QUE VOCÊ SÓ APRENDE DEPOIS DE COMPLETAR 90 ANOS", lindinho! ^^

    Já estou seguindo!

    Beijos

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